Por Pedro Bacelar de Vasconcelos
A perseguição movida ao ministro das Finanças, Mário Centeno, é uma infâmia tão perversa quanto a herança legada pela gestão ruinosa do sistema financeiro do Governo do PSD/CDS, conduzida por Vítor Gaspar e por Maria Luís Albuquerque. A queda do primeiro, em 2013, equivaleu à confissão do fracasso da doutrina da austeridade e das falsas virtudes que lhe atribuíam. O choque da demissão do então ministro das Finanças quase provocava a queda do Governo e precipitou a tentativa de fuga do ministro dos Negócios Estrangeiros que pensou que teria chegado a hora de os “ratos abandonarem o barco”, proclamando, “urbi et orbi”, a célebre “demissão irrevogável”. Porém, graças à inépcia cúmplice do presidente da República, a coligação sobreviveu e o Governo prosseguiu com as mesmas políticas, promovendo o ministro dos Negócios Estrangeiros demissionário ao cargo de vice-primeiro-ministro efetivo.
Por seu turno, a sucessora de Vítor Gaspar iria cessar funções dois anos mais tarde, para se alistar rapidamente nas hostes do inimigo – ao serviço de uma daquelas empresas financeiras que enriquecem à custa dos juros usurários que cobram aos países em dificuldades. Ao contrário de Vítor Gaspar, não saiu pelo seu pé mas apenas por força da queda do seu Governo, tão mau e tão desacreditado que suscitou uma aliança inédita de todos os partidos da Oposição para o derrubar.
Nas três semanas que se seguiram à tomada de posse, António Costa formou a sua equipa, fez aprovar o Programa do XXI Governo na Assembleia da República e foi obrigado a preparar um Orçamento Retificativo para acorrer à falência iminente do Banif. Durou mais de um ano a operação de limpeza de todo o lixo do sistema financeiro que o PSD e o CDS foram varrendo discretamente para debaixo do tapete, sob o olhar complacente da troika. Foi esta a herança que a coligação PSD/CDS transmitiu ao Governo que lhe sucedeu. É espantoso que precisamente os mesmos que durante quatro anos e meio justificavam cada medida decretada com os erros imputados ao Governo que os antecedeu, pretendam agora lavar as mãos da herança de enganos e miséria por eles próprios confecionada.
Com tanto lixo escondido debaixo do tapete e tanto cadáver abandonado no armário, o desempenho do ministro das Finanças foi verdadeiramente extraordinário. Além de desinfestar a casa e acautelar os recursos necessários para satisfazer a recuperação de rendimentos a que o Governo se tinha comprometido, Mário Centeno cumpriu e excedeu as metas impostas pelo infeliz tratado orçamental, suscitando a surpresa e o aplauso das autoridades europeias. E tudo isto foi alcançado sem abrandamento do crescimento da economia nem perturbação da criação de emprego!
É compreensível o desconforto dos que tinham jurado que as metas do Governo eram inatingíveis, que todos os sacrifícios que infligiram ao país teriam sido em vão e que o regresso a uma austeridade ainda mais penosa era o destino fatal desta pátria desgovernada… O que não se compreende nem é aceitável é a desfaçatez destes profetas da desgraça, depois de desmentidos pelos factos e desautorizados pela voz dos seus venerados mentores que, aliás, nunca tinham ousado contradizer.
E aqui se insere o folhetim da Caixa Geral de Depósitos. Que houve um deplorável erro de “casting” na nomeação do Conselho de Administração anterior, é verdade. Perceções mútuas erradas é coisa que acontece a todos, diariamente. O erro foi corrigido e só resta uma lição a retirar: a necessidade de reforço das assessorias jurídicas do Ministério das Finanças. Só o sectarismo mais cego, secundado infelizmente por alguma Imprensa, consegue tresler nas declarações do presidente da República algo diverso do estrito cumprimento de um dever institucional.
Esta Oposição começa sempre por jurar a pés juntos que “é impossível!”. A seguir, lança a suspeita de que foi truque… Depois, garante que “contudo, é insustentável”. Por fim, não se lembra de nada do que disse nem do que ela própria fez. É um tipo de conduta que fragiliza mortalmente qualquer Oposição. E por isso – apenas por isso – é um sinal preocupante porque a democracia não dispensa um contraditório competente.
Artigo publicado no Jornal de Notícias, fevereiro 2017