Trump e os anjos maus da natureza humana

Por José Manuel Ribeiro

Em 1861 Abraham Lincoln, republicano e figura maior da história dos EUA, fez no seu primeiro discurso um apelo aos “anjos bons da natureza humana” pedindo aos estados do Sul, esclavagistas, para evitar a guerra contra os estados do Norte, abolicionistas, não tendo conseguido evitar o choque com terríveis consequências que ainda hoje se fazem sentir.

As Américas dentro da América, como acredito funcionar aquele país, agregam-se em torno de dois polos, um mais progressista e aberto ao Mundo e ao multilateralismo que surpreendeu em 2008 com a eleição do primeiro afro-americano para a presidência, e outro mais conservador e isolacionista que acaba de nos surpreender com a eleição da pessoa mais impreparada para o cargo e que representa a negação de tudo o que simbolizou Barack Obama.

Que diriam hoje os pais fundadores dos EUA que tanto lutaram para criar uma democracia unida em torno da(s) liberdade(s) contra as tiranias de qualquer tipo?

Em 2008 vivi uma das mais apaixonantes experiências da minha vida tendo durante mais de um mês conhecido várias Américas, de Washington ao Alasca, do Minnesota ao Dakota do Sul, e da Carolina do Norte a Nova Iorque, onde pude constatar o que mais une os americanos de todos os credos e géneros, que é o amor profundo à liberdade pelo que ela lhes permite na concretização dos seus sonhos individuais e coletivos.

Os americanos sabem bem qual o seu papel no Mundo, quer o desejado quer o real, e gostam que o Mundo goste deles. Isso não mudará mesmo que existam, e sempre existiram, setores fundamentalistas na sociedade americana como pude constatar, que nos dias que correm se alimentam da desilusão dos cidadãos com a incapacidade e/ou falta de vontade das democracias ocidentais em corrigir as crescentes desigualdades sociais, que têm vindo a despertar as “bestas” dos populismos, autênticas tiranias dos tempos modernos e que tornam os tempos atuais muito perigosos.

Acredito que apesar de todos os sustos, e serão muitos nos próximos tempos, os americanos, pela sua natureza e pelas características da sua democracia, onde a divisão de poderes, a autonomia judicial e a liberdade de Imprensa são pilares fundamentais, irão e já estão a reagir e com eles o Mundo, pois não parecendo está a voltar o tempo de debater e participar na política a sério, o que nos vai ajudar a todos a reescrever o significado da expressão de Lincoln “A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”, porque de facto, e com todos os defeitos, a democracia é o sistema que nos dá a máxima capacidade de escolha, mesmo que sejam anjos menos bons!

Artigo publicado no Jornal de Notícias, janeiro 2017

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