A Europa precisa de mais ação no combate ao VIH/SIDA
Por Manuel Pizarro, Presidente da Federação Distrital do Porto do Partido Socialista.
Assinala-se hoje o Dia Mundial da Luta Contra a Sida e é essencial usar esta data para lembrar que a infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH) e a doença a ele associada – síndrome da imunodeficiência humana adquirida (SIDA) -, continuam a atormentar a vida de milhões de seres humanos.
A investigação conduziu, num prazo relativamente curto, à descoberta de fármacos com grande eficácia, que controlam a replicação do vírus e, assim, tornam a doença indetetável.
Os novos medicamentos têm menores efeitos secundários e maior comodidade posológica, interferindo menos com a vida quotidiana das pessoas infetadas com o VIH. Com isso,
conseguimos que a esperança de vida de quem sofre da infeção seja hoje praticamente igual à da população em geral.
Mas, estes progressos não nos podem permitir abandonar o combate contra a propagação do VIH. A doença causa sofrimento e acentuada deterioração da qualidade de vida de
muitos dos que por ela são atingidos. Continua a matar precocemente, sobretudo os que são diagnosticados numa fase mais tardia, e mantém-se como causa de grande estigma e discriminação.
Esta é a realidade na Europa, onde os sistemas públicos de saúde, com maior ou menor dificuldade, asseguram o acesso a cuidados. A situação noutras partes do mundo, desde logo na África subsaariana é, naturalmente, muito pior. É um erro, por isso, que os excelentes avanços verificados no tratamento justifiquem a indiferença perante a infeção. Devemos ficar preocupados quando constatamos que o Plano de Ação da União Europeia contra a infeção VIH/SIDA expirou no fim de 2016 e foi substituído por um prolongado silêncio, que dura até hoje. Entretanto, mais de 800 mil cidadãos europeus vivem com a infeção. Em 2017, o número de pessoas diagnosticadas na Europa foi superior a 25 mil, número que se tem mantido estável ao longo dos anos. A propagação da infeção não dá sinais de ceder.
Em Portugal, a incidência da doença reduziu-se muito, mas mantém-se como uma das mais elevadas da Europa. Em 1999, o ano com maior incidência, foram diagnosticadas 3.339 pessoas com a infeção. Em 2017, o número baixou para 1.235. No entanto, em mais de metade dos casos, o diagnóstico foi tardio e a infeção estava já avançada. Mantém-se uma generalizada falta de conhecimento sobre o vírus e sobre a forma como ele se transmite. E. mesmo quando existe, a informação não se traduz, muitas vezes, numa atitude de proteção. Podemos orgulhar-nos da redução da transmissão entre utilizadores de drogas por via injetável. Passaram de cerca de 1.800 em 1999, para menos de 30 em 2017. Mas, nos últimos anos, assistimos ao aumento de transmissão no contexto de relações sexuais, quer
heterossexuais, quer em homens que têm sexo com homens.
Na Europa e em Portugal demos passos seguros para alcançar as metas 90 – 90 – 90 propostas pelas Nações Unidas. Isto é, garantir que pelo menos 90% dos portadores do VIH estão diagnosticados, que pelo menos 90% dos que estão diagnosticados estão em tratamento, e que pelo menos 90% dos que estão em tratamento têm supressão do vírus.
São resultados importantes. Mas, para reduzir o fardo da doença para as pessoas e para os sistemas de saúde, temos de fazer mais. É imperioso manter a infeção VIH / SIDA no centro da atenção política. É essencial envolver as pessoas que vivem com o vírus e as organizações que os representam e valorizar as associações que trabalham na comunidade.
Foi com esse objetivo que interpelei a Comissão Europeia, na sessão plenária, em Estrasburgo, no passado mês de outubro. Dando seguimento a essa intervenção e em conjunto com a minha colega Sara Cerdas, também médica e também eurodeputada do PS, dirigi uma pergunta à Comissão, exigindo uma estratégia adequada da União Europeia (UE) e um novo Plano de Ação.
A UE deve ter uma intervenção mais ativa no domínio da saúde pública. Numa Europa sem fronteiras, muitas doenças só podem ser debeladas com trabalho coordenado. Esse esforço conjunto é também essencial para assegurar o acesso aos tratamentos mais inovadores e para garantir que o seu custo é sustentável. Não podemos, neste contexto, esquecer a infeção VIH/SIDA e as pessoas por ela atingidas. Vamos garantir que isso não acontece.
Artigo de Opinião publicado no jornal Público a 1 de dezembro de 2019