Saúde de todos e para todos

Saúde de todos e para todos

Por Manuel Pizarro | Médico. Vereador na Câmara Municipal do Porto. Presidente da Federação Distrital do Porto do PS

 

Celebra-se hoje mais um aniversário da fundação do Serviço Nacional de Saúde que, ao longo destes 39 anos, se tornou quase consensual na sociedade portuguesa.

Surpreende, por isso, que o PSD venha agora desenterrar a velha ambição da direita de privatizar o serviço público de saúde. Privatizar é a panaceia universal que o PSD e o CDS aplicam a todos os problemas, tentando fazer esquecer as consequências desastrosas das privatizações realizadas nos anos da troika nos correios e nos aeroportos.

A iniciativa do PSD tem o mérito de fazer recordar que a proposta de criação do SNS, subscrita em primeiro lugar por António Arnaut, teve os votos contrários do PSD e do CDS. Com esta proposta, o PSD mostra que ainda não recuperou da voragem ultraliberal dos anos da troika, ao mesmo tempo que evidencia não compreender a importância do serviço público de saúde, que tem obrigações perante os portugueses que nenhum privado está disponível para assegurar.

O que pretendem os ideólogos do PSD é especialmente perverso: privatizar as áreas rentáveis e manter na esfera pública os ónus a que um serviço universal e geral não pode deixar de estar sujeito. Entre outros, o acesso em zonas pouco povoadas, o tratamento das doenças catastróficas, a formação dos profissionais.

Devemos lembrar que o SNS tem méritos inquestionáveis. Permitiu que os resultados em saúde dos portugueses sejam, em todas as áreas, similares aos dos países mais desenvolvidos. Estes resultados foram alcançados com grande eficiência económica: o gasto per capita é, em Portugal, dois terços da média dos países desenvolvidos (2734 versus 4003 dólares /ano).

Ao mesmo tempo o SNS afirmou-se como um poderoso fator de desenvolvimento e de coesão social, não sendo por acaso que une em sua defesa a grande maioria dos portugueses e, finalmente, contribuiu de forma decisiva para afirmar a saúde como setor relevante para o crescimento económico do país. Em 2017 o setor da saúde exportou 1400 milhões de euros, continuando a crescer de forma continuada.

Claro que o SNS não está isento de dificuldades. Persistem incompreensíveis barreiras ao acesso, que prejudicam especialmente os mais desfavorecidos. Constata-se uma significativa obsolescência das instalações e equipamentos, agravada pelos anos de chumbo da troika, mas da qual temos vindo a recuperar com grande lentidão. As famílias são chamadas a contribuir de forma excessiva para a despesa em saúde, 27,7% em 2017, face à média de 15,3% na União Europeia.

Ao mesmo tempo, mantém-se um centralismo doentio na governação do SNS e das suas instituições. Entre outras consequências, o centralismo põe em causa a liderança técnica profissional, uma das características identitárias do SNS, que explica porque é que ele se afirmou mesmo no contexto das mudanças de ciclo político.

Nenhum destes problemas será resolvido pela privatização do SNS ou de uma parte das suas instituições. As respostas necessárias exigem, ao contrário, uma visão rigorosa e ambiciosa, que não enjeita a colaboração dos setores social e privado, mas que garante a liderança pública.

Em meu entender, as prioridades são claras. Acentuar o enfoque que este Governo colocou na promoção da saúde, através da alimentação saudável, da redução da ingestão de açúcar, de sal e de gorduras trans, do combate ao tabagismo e do aumento da atividade física.

Relançar a reforma dos cuidados de saúde primários, agora que nos aproximamos da meta histórica de garantir médico de família a todos os portugueses, assegurando serviços mais diversificados, que combinem proximidade e qualidade.

Acelerar a expansão dos cuidados continuados, essencial para garantir cuidados humanizados aos idosos e dependentes e para permitir uma boa gestão da rede hospitalar. Devolver autonomia aos hospitais, assegurando mecanismos transparentes de prestação de contas e vencendo os mecanismos de controle centralizados e anquilosados.

Apostar no valor económico do setor saúde, dinamizando a inovação e a iniciativa empresarial voltada para os mercados globais, ajudando também por essa via à sustentabilidade do sistema. Finalmente, colocar o cidadão no centro do sistema, garantindo o acesso, intensificando a transformação digital e valorizando a satisfação das pessoas.

Este é um programa em tudo distinto do preconceito privatizador do PSD. Os portugueses serão chamados a optar e, não tenho dúvidas, escolherão o SNS.

 

Artigo publicado no jornal PÚBLICO, setembro 2018.

 

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