Por Tiago Barbosa Ribeiro
Deputado Socialista
O Dia Internacional da Mulher, celebrado esta semana, deve suscitar uma discussão aprofundada sobre as razões que levaram à consagração desta data e à sua atualidade.
O 8 de março tem as suas raízes nas duríssimas lutas laborais e políticas travadas entre o final do século XIX e o início do século XX, numa época de integração de uma enorme quantidade de mão-de-obra feminina na indústria. Com os operários sujeitos a condições de trabalho miseráveis, as mulheres – e as crianças – eram duplamente penalizadas. Na pirâmide das lutas, a desigualdade de género era um patamar mais fundo da desigualdade de classes. A isso, transversalmente, sobrepunha-se uma camisa-de-forças social imposta por uma cultura machista e patriarcal, limitando o direito de voto de todas as mulheres, menorizando-as e enraizando o seu papel secundário na comunidade, na família, no trabalho, na legislação. A valorização da luta das mulheres desde a segunda metade do século XIX foi oficialmente consagrada com um dia internacional em 1910 pelo movimento socialista internacional.
Desde então o mundo avançou e a sociedade evoluiu, pelo que hoje em dia muitas pessoas consideram que não faz sentido uma data desta natureza. Consigo compreendê-las e às mulheres que sentem até irritação por aquilo que consideram uma condescendência. Parece que é assim, mas não é.
A conquista histórica de direitos sociais e políticos para as mulheres, parecendo longínqua, é ainda muito recente. Por outro lado, subsistem profundas desigualdades de género, culturais e identitárias, que representam assimetrias de facto entre mulheres e homens no emprego e nos rendimentos, mas também na estruturação de uma afirmação plena na vida em sociedade.
As mulheres são penalizadas por uma divisão assimétrica do trabalho doméstico (tendo uma dupla jornada), por maior incidência estatística de pobreza, por maior exposição a ciclos de desemprego, por menor qualidade do emprego, pela ausência de representatividade em lugares de destaque nas instituições, nas empresas, nos partidos e no espaço público em geral, sendo vítimas de facto de ma cultura maioritariamente machista em que se ramifica a nossa sociedade. Mesmo quando não é deliberada, ela resulta da naturalização dos modos e dos usos em que a desigualdade de género se desenvolve.
Ora, isto só se altera com luta, mobilização e organização coletiva: leis favoráveis à paridade, acesso pleno à saúde sexual e reprodutiva, autonomia sobre o corpo, despenalização da interrupção voluntária da gravidez, procriação medicamente assistida, combate ao assédio, entre outros, são apenas alguns exemplos de avanços recentes em matéria de igualdade de género, porque é – também – disso que se trata. Enquanto houver uma mulher que ganha menos do que um homem para a mesma função, que tem de optar entre a carreira e a maternidade ou que não está em nenhuma administração das empresas cotadas, o nosso trabalho nunca estará concluído.
É disto que trata o 8 de março e não da celebração das representações masculinas sobre as mulheres, organizando aula de zumba, sessões de maquilhagem ou unhas de gel, como vi por estes dias, ou alimentando estereótipos e arquétipos sobre o lugar da mulher ‘sensível e forte’, menorizando-a sob um manto patriarcal. Quem o faz reforça o distanciamento em relação às origens deste dia e ao que verdadeira representa: luta, conquista, direitos.
Eis porque, contra quem quer esquecer este dia e contra quem o transforma em algo que ele não é, devemos manter bem viva a memória das mulheres que lutam e dos homens que as acompanham. Eu serei sempre um deles.
Artigo publicado no semanário SOL, março 2017