Quando os socialistas vestem o fato da direita

Por Tiago Barbosa Ribeiro

Deputado Socialista
A Holanda foi o último caso mas a história tem vindo a repetir-se por toda a Europa. Outrora dominantes nos seus países e centrais no projeto europeu que garantiu o período de maior prosperidade da nossa História, os partidos socialistas (leia: socialistas, social-democratas e trabalhistas) estão lentamente a apagar-se. A cada eleição assistimos a uma implosão que confirma o seu enfraquecimento como família política.

Esta realidade, que dura há pelo menos duas décadas, é parte da crise europeia porque a direita do Partido Popular Europeu (PPE), triunfando em termos domésticos, tornou-se hegemónica em todos os centros de poder da União Europeia. Como as suas respostas estão erradas, o sistema fica bloqueado: a crise agrava-se, o emprego degrada-se, o Estado Social enfraquece-se e aprofunda-se o divórcio dos cidadãos com aquilo que outrora designávamos por ‘projeto europeu’ (que projeto é esse, hoje?), entreabrindo a porta aos populismos, à xenofobia e ao extremismo de direita.

Este processo tem responsáveis: os socialistas que aceitaram intervir no campo da direita com as regras da direita. Em meados da década de 1990, quando lideravam a maioria dos países europeus e a história parecia linear após a queda do Muro, as teses liberais formataram o essencial do pensamento e da ação dos socialistas, nomeadamente (mas não só) a Terceira Via. Foi o princípio do fim.

Na arquitetura institucional europeia, os socialistas desenharam as  regras que hoje têm um efeito punitivo sobre os seus próprios programas. A nível interno, usando os termos, a prática e até a linguagem (como as ‘reformas estruturais’) da direita, privatizaram e flexibilizaram.

Na Alemanha, antes de ir para a Gazprom, Schröder governou contra a história do estruturante Partido Social-Democrata alemão, privatizou, aumentou impostos sobre o trabalho, baixou-os para as empresas, ‘flexibilizou’ o trabalho e o SPD não mais deixou de ser um apêndice da direita.

Em Inglaterra, esgotado o blairismo, o Partido Trabalhista foi derrotado, já tentou de tudo e o poder continua uma miragem. Na Grécia, a pasokização passou a evidência da tragédia socialista depois da austeridade corroer a coerência dos princípios. Em Espanha, Zapatero saiu depois de constitucionalizar a dívida (e por que não o desemprego ou a pobreza?), ignorou o descontentamento popular e o PSOE soma derrotas em toda a linha. Em França, o PSF governou contra tudo o que prometeu e será impiedosamente derrotado. Na Holanda, os trabalhistas assumiram as Finanças como ‘bons alunos’ da ortodoxia europeia e o partido de Dijsselbloem – o ‘socialista’ dogmático do Eurogrupo – passou a sétima força, descendo de 38 para 9 deputados.

Mesmo quando há uma perda relativa dos partidos da direita (como na Holanda), existe sempre uma pesada derrota dos socialistas. Progressivamente, a alternativa coloca-se entre um partido dominante de direita e partidos extremistas também à direita (Holanda, França, …), despromovendo os socialistas. Sucede que a derrota nas urnas é apenas a concretização de uma derrota que já aconteceu antes: a derrota ideológica, deixando-se colonizar pela mundivisão da direita.

Neste contexto, o PS português demonstra que há uma regra simples para evitar o declínio: governar com um programa alinhado com as expectativas dos cidadãos, das classes médias e dos trabalhadores, correspondendo ao seu papel na sociedade portuguesa e, por essa via, demonstrando aos seus partidos-irmãos que não estão condenados à irrelevância: se não querem que os cidadãos votem na direita, não vistam o seu fato quando governam.
Artigo publicado no semanário SOL, março 2017

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