Por Pedro Bacelar de Vasconcelos
Deputado Socialista, Professor de direito constitucional
Ao fim da tarde da primeira sexta-feira de março, o “Fórum Demos” reuniu na Cooperativa Árvore, ao lado do jardim do Passeio das Virtudes, com o rio Douro ao fundo. A realização de eleições gerais na Holanda, na França e na Alemanha foram o tema da tertúlia, sugerido por Álvaro Vasconcelos. Decorridos 70 anos sobre o fim da Segunda Guerra Mundial, os fantasmas do ódio aos estrangeiros, do racismo e da intolerância religiosa voltaram a assolar os povos da Europa e marcam presença em todos os atos eleitorais do ano corrente.
Este ciclo começou ontem na Holanda, onde ainda se contavam os votos à hora de fecho desta edição e onde se prevê que o partido de extrema-direita de Geert de Wilders consiga um resultado significativo. É altamente improvável que ele venha a governar dado que o universo eleitoral holandês está fortemente pulverizado e porque os partidos institucionais do Centro e da Direita moderada “assumiram publicamente o compromisso de que nunca fariam uma coligação com o Sr. Wilders”. Todavia, isso não os impediu de adoptar versões um pouco mais suaves das posições defendidas pela extrema-direita sobre um grande número de assuntos”. (Dutch Vote Watched Across the Continent With a Finger in the Wind, “New York Times”, 15 de janeiro de 2017). E também por isso, em certo sentido, Wilders já ganhou meia partida ao introduzir como temas dominantes na campanha eleitoral “as restrições à entrada de emigrantes, as políticas identitárias e o nacionalismo”. A recente expulsão da Holanda de membros do Governo da Turquia, além de grosseira violação das regras diplomáticas e do direito internacional, é a expressão mais flagrante e caricata da subserviência do Governo holandês perante a xenofobia da extrema-direita de que arduamente se distingue.
São os populistas da Direita, mais ou menos radical, que constituem a verdadeira ameaça ao projeto de paz e de solidariedade que a Europa ainda continua a representar. São eles que acusam a União de minar a soberania dos estados, de escancarar as fronteiras nacionais à imigração e de expor as populações indefesas à violência terrorista. Não entendem que o crescimento inevitável da diversidade cultural nas sociedades contemporâneas nos vai continuar a enriquecer e a transformar… e que não há regresso possível ao calor do estrume e à solidariedade de sangue.
O populismo não é uma tendência, uma doutrina, uma ideologia. Não designa sequer uma política. É um juízo que se aplica a quaisquer declarações que apenas pretendam satisfazer as preferências do auditório, sem respeito pela inteligência de quem ouve nem a mínima preocupação quanto à coerência do que se diz ou quanto à viabilidade do que se promete. Enfim, é uma palavra nova para um conceito antigo, trabalhado há mais de dois mil anos por um grande filósofo grego, Aristóteles, que definia a demagogia como o vício ou a perversão inerente ao regime político que designava como democracia – o governo do povo.
A denúncia dos “populismos de Esquerda ou de Direita” – expressão que hoje se tornou vulgar no discurso político – não reflete mais do que a pretensão paradoxal de confinar a democracia e toda a pluralidade política às virtudes do Centro. Foi o Centro que renunciou à procura de soluções alternativas para as políticas de austeridade e que pregou a resignação à ortodoxia do pacto orçamental. Foi ao Centro que se afunilou o campo das opções políticas. Foi do Centro que nasceram os populismos agora tão deplorados. Os governos que se renderam à omnipotência da vontade anónima dos “mercados financeiros” e que sempre se desculparam de todos os seus desaires com a autoridade de Bruxelas, são eles os principais responsáveis pelo crescimento do populismo neofascista e eurocético.
Artigo publicado no Jornal de Notícias, março 2017