Por Manuel Correia Fernandes
Vereador da Câmara Municipal do Porto eleito pelo PS
Chegaram a bom termo as negociações entre a CMP e os proprietários do Cinema Batalha para que, finalmente, fosse possível protegê-lo da ruína. Com efeito, a CMP, através da oportuna decisão do seu presidente, culminando, alias, uma série de outras diligências, acaba de acordar tomá-lo de arrendamento por 25 anos para fazer dele a “Casa do Cinema”. De facto, a especial saudação que a iniciativa merece decorre do facto de, nos últimos anos, terem sido muitas as tentativas – todas goradas – para salvar esse extraordinário edifício.
A importância do “Cinema Batalha” não tem discussão mesmo que não tivesse sido classificado como “monumento de interesse público”. Como arquitetura, como elemento estruturador da cidade e, também, como instituição da cidade ainda viva na memória dos portuenses, é absolutamente notável. De facto, o edifício, é um dos mais relevantes exemplares arquitetónicos do “modernismo-expressionista” que articula de forma genial um conjunto de espaços muito significativos da cidade (a Praça da Batalha) e evoca o cinema como uma das “artes” em que a cidade foi pioneira e “berço” de algumas das suas maiores figuras a nível mundial. Ou seja, exalta três das maiores glórias da cidade: a sua arquitetura, o seu urbanismo e a sua arte. De facto, e para além da arquitetura de Artur Andrade ainda bem patente no notável edifício e da escultura em baixo-relevo de Américo Braga que, embora mutilada da sua foice o do seu martelo, ainda resiste na sua fachada, ali tiveram exaltação a pintura de Júlio Pomar destruída à nascença pela intolerância política da ditadura e a denominada Sétima Arte – o cinema – de que o Batalha foi sede e polo aglutinador.
O extraordinário e inaceitável é que o velho cinema se mantinha teimosamente inativo, fechado e em acelerado processo de degradação. Como “casa de espetáculos” oferece um espetáculo triste e dá, da cidade, uma imagem deplorável. E, se nada fosse feito, como agora foi, não demoraria muito que o Batalha desaparecesse da cidade e da memória dos portuenses. Ora, é exatamente contra essa perda que esta decisão da CMP se apresenta e também para que o caminho da sua recuperação e da sua reintegração na cidade se inicie, em prol dos valores que o velho cinema tão bem representa.
De facto, o “Cinema Batalha” é uma das obras maiores da arquitetura modernista/expressionista portuguesa e conserva ainda, praticamente intactos, todos os seus elementos arquitetónicos e decorativos mais significativos. Foi, desde a sua inauguração, em 1952, lugar, por excelência, da cultura cinematográfica que teve, na “invicta” cidade do Porto, precoce aparecimento e notável desenvolvimento, através de nomes como o de Aurélio da Paz dos Reis, Manoel de Oliveira ou Henrique Alves Costa, de instituições como a “Invicta Filmes” ou o “Cineclube do Porto”, mas também de entidades como a família de Neves Real, proprietária da mítica sala e a quem deve reconhecer-se, agora, o facto de ter contribuído para que o Batalha possa, finalmente, renascer.
O “Cinema Batalha” foi, para além de lugar do cinema, o lugar de acontecimentos sociais e culturais notáveis até que a implacável erosão do tempo e a concorrência de novas centralidades cinéfilas lhe retirou a importância que teve durante décadas. Finalmente, o “Cinema Batalha” é parte integrante e inapagável da galeria de glórias da cidade a cuja história está indelevelmente ligado e, também por isso, foi incluído na lista dos equipamentos a reabilitar no âmbito do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano (PEDU) elaborado pela CMP em setembro de 2015, no âmbito do Programa 20/20.
Por tudo isto, não podia o “velho cinema” soçobrar às mãos omissas da indiferença nem podia ser a vítima inocente duma política patrimonial pouco responsável e farisaica que faz tarde e a más horas o que deve e, quando já nada justifica a inércia de que dá mostras, lava as mãos como Pilatos e deixa ao acaso o futuro e a sorte dos tesouros que legal e moralmente lhe cabe respeitar. Ciente de tudo isto mas também das dificuldades que o processo contém, não pode a cidade e a sua Câmara Municipal, deixar de se regozijar com o regresso do seu Batalha à sua praça e à sua cidade.
Artigo publicado no Jornal de Notícias, fevereiro 2017