Eleições francesas e o PREC

Por Pedro Bacelar de Vasconcelos

Deputado Socialista, Professor de direito constitucional

 

O passado não existe em política. Se existisse, a França não estaria confrontada, 70 anos depois da ocupação nazi, com uma candidata presidencial fascista, racista e xenófoba como Marine Le Pen. Contudo, em Portugal, discute-se apaixonadamente o passado como se estivéssemos ainda a viver o PREC, ignorando que o grande vencedor da Revolução de Abril, Mário Soares, foi o primeiro a perceber a mudança dos tempos e a chamar à intervenção política ativa os adversários que combatera 40 anos antes. Por este andar, a vetusta intelectualidade nacional que continua agarrada aos seus fantasmas ainda acabará a discutir por quem haveríamos de tomar partido na batalha de São Mamede: se por Dona Teresa e os seus barões galegos ou se pelo seu filho, Afonso Henriques? Ou, até, alguns séculos mais tarde, com quem deveríamos alinhar: com o Prior do Crato ou com o herdeiro do império europeu de Carlos V – Filipe II de Castela?

É falso que o futuro da Europa se reduza à alternativa política que resultou da ordenação dos candidatos na primeira volta das eleições presidenciais francesas. Os votos recolhidos pelos candidatos apurados para a segunda volta não representam, somados, nem metade do total dos eleitores. É certo que a Direita desistiu há muito de fazer qualquer reflexão séria sobre o desinteresse dos cidadãos pela participação nos atos eleitorais embora a abstenção continue a crescer, ameaçando os fundamentos democráticos da República. Não. Em vez disso, pede-se à Esquerda os votos que fogem para a Direita e inventam-se expedientes constitucionais para iludir o défice de representação democrática e evitar alterações políticas substantivas, cedendo a tentações oligárquicas que ainda recentemente assomaram no desastroso referendo promovido por Matteo Renzi para rever a Constituição italiana a fim de converter minorias políticas em maiorias institucionais.

O que as sondagens de opinião demonstram de forma inequívoca é que a transferência de votos mais problemática da primeira para a segunda volta das eleições francesas é a que diz respeito aos eleitores do candidato da Direita, François Fillon. Cerca de 30% dos que escolheram Fillon manifestam agora a intenção de eleger Marine Le Pen. Esta tendência, de facto, não é surpreendente. Basta comparar os programas eleitorais de Marine Le Pen e de François Fillon para verificar a flagrante coincidência das suas propostas em matéria de imigração, os mesmos preconceitos contra os muçulmanos, idêntica pulsão xenófoba. Le Pen até se apropriou de um discurso de Fillon, diz ela, como homenagem!

Pelo contrário, é bem menor a margem de eleitores de Jean-Luc Mélenchon que admitem votar nos fascistas da Frente Nacional. Mas Isso não impede, paradoxalmente, que o tema que incendeia os debates nas redes sociais e nos meios de Comunicação Social seja a resistência do candidato de Esquerda a dar uma clara indicação de voto em Emmanuel Macron, ainda que tenha anunciado bem cedo que nunca votaria em Le Pen. Podemos reprovar a relativa indefinição de Mélenchon perante as opções dramáticas da segunda volta, mas não a podemos classificar como uma opção ilegítima: o sufrágio livre e secreto é requisito essencial da validade dos atos eleitorais. Por outro lado, Macron chamou a si a representação do “Centro” mas foram precisamente as políticas do Partido Popular Europeu e da terceira via social-democrata que minaram a solidariedade entre os povos da Europa e cavaram o fosso de desconfiança que virou o Norte contra o Sul, para impedir a urgente reforma de uma União Monetária incipiente e justificar o sacrifício infame que foi imposto através das políticas de austeridade aos países europeus mais endividados.

Valha-nos o testemunho do antigo ministro das finanças grego, Yanis Varoufakis, que veio dar uma ajuda inesperada a Emmanuel Macron, ao revelar que foi ele o único governante francês a compreender e apoiar as pretensões da Grécia no calvário negocial que se desenrolou ao longo das intermináveis reuniões do Europgrupo que quase levaram à expulsão dos gregos da União Monetária. A vitória de Macron, no dia 7, alimenta as nossas esperanças. A luta continua… “Aux armes citoyens!”

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias, maio 2017

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