Casa da mãe vergonha? Mitos e o 1.º de Maio

Joel Pais

Ativista feminista

 

Para conseguirmos compreender a proposta da JS da regulamentação da prostituição, aprovada pelo PS para discussão na Assembleia da República, temos de, em primeiro lugar, perceber a legislação que temos, a proposta em questão e as outras adotadas por diferentes Estados.

Em Portugal, segundo a lei, a prostituição não é considerada crime. O que está previsto no nosso Código Penal (Artigo 169.º) é o crime de lenocínio, ou seja, “Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição”. Resumindo: atendendo à lei portuguesa apenas podem ser condenados, nesta situação, os que denominados vulgarmente por “proxenetas” ou “chulos”.

Quanto à prostituição temos essencialmente quatro grandes modelos: o abolicionismo, o proibicionismo, a regulamentação e a descriminalização. O abolicionismo, que tem vindo a ganhar força na Europa e tem o apoio de alguns setores do feminismo conservador, nasce nos países nórdicos (daí ser denominado por vezes de sistema sueco) e defende que quem deve ser penalizado perante a lei será o cliente. Neste caso a pessoa que se prostitui é vista como uma vítima que deve ser protegida de uma figura como um criminoso ou delinquente.

O proibicionismo, considerado o mais conservador por muitos, foi o sistema que vigorou em Portugal até à década de 80 e que é bastante comum em países de Leste. Este aponta o dedo à pessoa que se prostitui e, dependendo da legislação do país, aplica diferentes tipos de punições. Este é absolutamente desumano criando, em muitos casos, perseguição e linchamento público (sobretudo) de mulheres.

A regulamentação da prostituição, defendida agora no PS, começa por defender uma questão essencial: esta profissão deve ser uma escolha livre e individual da pessoa em causa, afastando assim qualquer questão que pudesse surgir relativamente ao seu uso para exploração sexual. Defende ainda, e para mim o ponto mais importante, que “trabalho é trabalho”, assim sendo, nenhuma forma deste é menos digna e moralmente condenável. E, por último, as questões de proteção: saúde pública, criminalidade associada e social. Com este tipo de legislação o Estado consegue, de uma forma mais eficiente, garantir a dignidade da pessoa que se prostitui, a sua proteção física e os direitos que deveriam ter sido sempre iguais a todos os outros trabalhadores, como um contrato de trabalho, subsídio de desemprego e reforma, eliminando economias paralelas que possam existir. Importa sublinhar que este modelo encontra-se aplicado em países como Holanda, Alemanha e Dinamarca, com variações na lei de país para país.

Felicito todos os signatários porque é uma proposta extremamente bem fundamentada que finalmente poderá garantir direitos a estes homens e mulheres e o início de uma integração como trabalhadores na sociedade. Também eles têm direito a ter sindicato e, sobretudo, também eles têm direito a marchar com dignidade ao nosso lado no 1.º de Maio. Também eles devem ser incluídos nas nossas palavras de ordem.

Admito que o último modelo, a descriminalização, também me parece um bom modelo. Este, que se encontra aplicado na Nova Zelândia, parece ter um impacto positivo nos trabalhadores desta área mas creio que, caso seja pensado para Portugal, deverá ser pensado com bastante ponderação e apenas depois de testarmos os benefícios de um sistema regulamentado.

 

Nota: Falamos de prostituição e, portanto, de prostitutas e prostitutos. Não é uma designação errada e muito menos vergonhosa. Não usemos “eufemismos” como “trabalhadores do sexo”, esses podem ser prostitutos/as mas também atores porno, strippers, lojistas de sexshops e todos os que de certa forma trabalham com sexo.

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