A habitação e a inércia da Câmara do Porto

A habitação e a inércia da Câmara do Porto 

 

Rui Lage

Deputado do PS na Assembleia Municipal do Porto

 

Nenhum fenómeno tem provocado tanto sobressalto na cidade do Porto quanto a escalada dos preços da habitação, que transbordou já as freguesias do Centro Histórico e começa a contagiar os concelhos limítrofes, levando a que um número crescente de portuenses desespere por encontrar alojamento compatível com os seus rendimentos. Dispenso-me de arrolar os consabidos benefícios do turismo e do frenesim imobiliário para a economia local e a reabilitação urbana, ou o seu papel na gestação de uma têmpera cosmopolita de que o Porto sempre teve escassez: estamos perante um conflito de interesses, cabendo aos decisores políticos identificar o interesse superior. Na verdade, o conflito dá-se entre um interesse e um direito (à habitação, constitucionalmente consagrado).

Este novo e gravíssimo problema habitacional, com tradução, por via da pressão imobiliária, numa vaga de despejos humanamente intolerável, requer respostas imaginativas e robustas, em várias frentes e a várias escalas. O Governo ultima por estes dias uma nova e meritória geração de políticas de habitação, ao passo que na Assembleia da República se discutem diversas propostas legislativas. É por isso surpreendente o aparente descaso da Câmara Municipal do Porto face a um fenómeno que tanto inquieta os portuenses e que foi, de resto, o assunto dominante na última campanha autárquica.

O Executivo portuense faria bem em atentar no programa Renda Acessível da Câmara de Lisboa, baseado em parcerias entre o município e promotores privados, que almeja proporcionar milhares de alojamentos a rendas acessíveis no centro da cidade. Nas últimas eleições autárquicas, recordo, o PS apresentou o programa Habita Porto, análogo à iniciativa lisboeta e igualmente ambicioso. Mesmo que os efeitos desse plano fiquem aquém do idealizado, é preferível um impacto discreto a impacto nenhum. A única postura indesculpável é a inércia.

Com um saldo de gerência de 90 milhões de euros a transitar para o orçamento de 2018, e uma arrecadação anual com a taxa turística estimada em sete milhões, a pergunta impõe-se: de que está à espera o Executivo para agir? No auge da campanha eleitoral, Rui Moreira defendeu a densificação construtiva em certas zonas da cidade, a inscrever no PDM, mas prorrogou a conclusão do processo de revisão desse documento para março de 2021… O objetivo dessa medida seria expandir a oferta de construção nova e obter por essa via uma redução dos preços. Sendo certo que a construção nova pode e deve coexistir com a reabilitação, confiar-lhe a missão de enfrentar um problema tão urgente parece ser do domínio da crendice (na famigerada autorregulação do mercado) ou da procrastinação. Ao advogar tal caminho, para além disso, o Executivo abdica de contribuir para o desejável regresso das famílias de rendimentos intermédios ao Centro Histórico, onde a densificação construtiva não é viável, e na fixação dos que aí persistem.

Ninguém pode presumir que existam fórmulas salvíficas para lidar com este novo problema habitacional (a nível municipal como a qualquer outro nível), mas teme-se que o atual Executivo careça de vocação para mitigar o desgaste social e a justificada angústia que dele decorrem.

 

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