Por Pedro Bacelar de Vasconcelos
Deputado Socialista, Professor de direito constitucional
Por ocasião do primeiro discurso perante o Congresso, o novo presidente dos Estados Unidos da América confessava descoroçoado que ninguém imaginava que os cuidados de saúde fossem matéria “tão inacreditavelmente complicada”! Contudo, Donald Trump não é homem que se deixe vencer pelas dificuldades e prometeu apresentar mais logo um programa de saúde muito melhor e ainda mais barato do que o “Obamacare”. A verdade é que o risco de deixar ao abandono sem medicação nem cuidados de saúde uma parte substancial da população americana comportava incalculáveis custos de popularidade que ele não se sente em condições de enfrentar. É esse, apenas, o motivo da sua hesitação.
De facto, o arranque inaugural da nova governação americana não podia ter sido mais atabalhoado. Cada decreto presidencial tropeçou num obstáculo imprevisto. Decretou a construção de um muro na fronteira com o México à custa dos vizinhos mas o Governo mexicano não se mostrou disponível para o pagar. Depois, tentou proibir a entrada no território dos EUA de cidadãos de sete países de maioria muçulmana mas os tribunais prontamente impediram que a sua ordem fosse cumprida. E agora, lembrou-se que também Barack Obama expulsou imigrantes ao longo dos seus mandatos e – para nosso maior espanto! – já se declara disposto a regularizar a situação de milhões de imigrantes ilegais, sem especificar, contudo, de que forma o irá fazer. Por fim, propõe-se reforçar os gastos militares à custa dos cortes nos orçamentos da saúde, da educação e dos apoios destinados aos pobres e aos desempregados. Uma bravata – não parece, enfim, que seja mais do que isso! – que arriscaria desencadear uma nova corrida aos armamentos que o parco reforço do orçamento da defesa agora anunciado ao Congresso não conseguiria porém sustentar. E além disso, a sua grande prioridade é baixar os impostos dos mais ricos e facilitar a vida aos banqueiros e especuladores de Wall Street que por mera demagogia eleitoralista se fartou de denunciar durante a campanha.
A Direita odeia o Estado e desdenha as aquisições civilizacionais nos domínios da educação, da cultura e do bem-estar social que trouxeram mais liberdade aos cidadãos e tornaram as sociedades mais justas e mais decentes. Acredita apenas na ambição impiedosa, no sucesso individual, na competição desenfreada, no choque redentor do “salve-se quem puder!”. Por isso, quando se referem ao bem comum e prometem a prosperidade geral, pretendem apenas convencer os eleitores das suas próprias crenças, ou seja, que o desmantelamento do Estado e a extinção dos serviços públicos libertarão a iniciativa privada de todos os constrangimentos que tolhem o crescimento dos seus lucros e lhe negam o estímulo e a merecida remuneração pelo seu êxito empresarial. O bem comum não passa de um efeito colateral daquilo a que chamam a desregulação económica e financeira, o que nada tem a ver com a ideia de mercado livre dos economistas clássicos. Como não pode confessar o seu verdadeiro programa político, a Direita – mais neoliberal ou populista, caso seja vantajoso sacrificar a ortodoxia a alguma cedência protecionista – está condenada à permanente manipulação demagógica, como aconteceu na América.
Os atuais dirigentes do PSD e do CDS andam perdidos no mesmo labirinto por onde corre Donald Trump. O seu desespero chega a ser confrangedor. Ora exigem ao Governo mais despesa onde antes denunciavam o desperdício irresponsável! Ora acusam o Governo do pecado da austeridade que outrora foi sua virtude e bandeira. Quando terá sossego esta Direita errática, agressiva e absurda?
Artigo publicado no Jornal de Notícias, março 2017