Há doenças que não fazem quarentena
Por Manuel Pizarro, Presidente da Federação Distrital do Porto do PS e Eurodeputado
No contexto desta pandemia, não podemos esquecer que as outras doenças não deixaram de existir e é importante sabermos que o SNS é seguro e está presente, para nos ajudar a combatê-las.
Os portugueses, as autoridades e o sistema de saúde estão concentrados na infeção pelo novo coronavírus. Compreende-se que assim seja. A rápida evolução da pandemia, apesar da melhoria dos últimos dias, causa alarme e obriga a uma resposta enérgica, que nos interpela a todos.
É essencial, no entanto, divulgar informação atempada e rigorosa e reagir com racionalidade. Um dos riscos que corremos, em tempo de pandemia que absorve toda a atenção, é desvalorizar outras doenças, que prosseguem o seu curso, indiferentes à covid-19.
Segundo um inquérito da Universidade Católica que acaba de ser divulgado, em virtude do novo coronavírus, 74% dos portugueses têm medo de ir a hospitais e centros de saúde e 26% dos inquiridos dizem que deixaram de recorrer aos serviços médicos. Mas o dado mais alarmante deste estudo é aquele que diz respeito às pessoas que dizem pertencer a grupos de risco; neste caso, sobe para 32% a proporção dos que deixaram de recorrer ao médico.
Não podemos esquecer que são as doenças vasculares, cardíacas ou cerebrais, e as doenças oncológicas que causam maior mortalidade entre os portugueses. É por isso essencial que mantenhamos a nossa capacidade de lhes dar resposta, organizando os serviços de saúde e dando informação e tranquilidade à população.
Esteve bem o Ministério da Saúde ao definir os três IPO – Porto, Lisboa e Coimbra – como hospitais “livres de covid”, sendo utilizados para o diagnóstico e tratamento de doentes com cancro, mesmo que oriundos de outras instituições. Isto significa que, nesses hospitais, qualquer doente com suspeita ou diagnóstico da nova infeção deve ser isolado e rapidamente transferido para outra unidade de saúde.
Impõe-se agora agilizar, no conjunto das entidades do Serviço Nacional de Saúde e junto das pessoas, a informação sobre esta mudança e tomar medidas para que o acesso seja fácil e desburocratizado. Ao mesmo tempo, todos os hospitais em que são tratados doentes com cancro devem avaliar quais os tratamentos que devem ser prosseguidos e aqueles que podem ser adiados sem risco para os doentes. Estes, e as suas famílias, devem ser informados com pormenor, de forma a que reajam tranquilamente às modificações do plano de tratamento que venham a ocorrer.
Mas não é só o cancro que está em causa. São muito preocupantes as notícias veiculadas por médicos do Hospital de S. João, no Porto, de acentuada redução do afluxo de doentes com acidente vascular cerebral (AVC). Têm ido menos doentes ao hospital, em especial através da Via Verde, que deve ser ativada pelo 112 sempre que há suspeita de AVC. Os doentes acabam por chegar com atraso de dias sobre o início dos sintomas e isso limita muito a capacidade de recuperação plena.
Impõe-se uma comunicação que enfatize que, mesmo nestes tempos de incerteza, quem tem sintomas de AVC beneficia muito da chegada rápida ao hospital. Deve fazê-lo, de preferência, através do 112, sendo orientado para o serviço capaz de fazer o tratamento mais diferenciado, do qual pode depender a sua sobrevivência e a sua qualidade de vida futura.
Os hospitais são sítios seguros, onde muitos profissionais dedicados dão o seu melhor ao serviço dos doentes. Não os devemos procurar por motivos fúteis, mas não devemos atrasar a ida perante queixas clínicas relevantes.
No contexto desta pandemia, cada um de nós deve fazer o possível para respeitar as regras de isolamento e distanciamento físico; mas, ao mesmo tempo, não podemos esquecer que as outras doenças não deixaram de existir e é importante sabermos que o SNS é seguro e está presente, para nos ajudar a combatê-las.
Artigo de Opinião publicado no jornal Público a 15 de abril de 2020