Covid-19: a prova de força do projeto europeu

Covid-19: a prova de força do projeto europeu

Por Manuel Pizarro, Presidente da Federação Distrital do Porto do PS e Eurodeputado

Não há margem para continuar a hesitar ou para errar. É necessária uma liderança com visão estratégica e apegada aos valores em que se funda a União Europeia.

A resposta da União Europeia (UE) à pandemia pelo novo coronavírus surgiu, numa primeira fase, hesitante e com atraso. As primeiras semanas de propagação da infeção na Europa ficam marcadas pela quase indiferença com que o assunto foi tratado. As instituições europeias mostraram que estavam mal preparadas para lidar com uma ameaça deste tipo.

Verificou-se, depois, um esforço assinalável para recuperar o tempo perdido. Para isso, a Comissão Europeia criou uma reserva europeia comum de equipamento médico de emergência, apoiou vários Estados-membros que promoveram também uma operação de compra conjunta, organizou corredores de transporte e fornecimento rápidos de equipamento médico e de fármacos, e anunciou financiamento prioritário para a realização de testes conjuntos visando encontrar potenciais novos tratamentos e vacinas.

Tudo medidas corretas e adequadas. Mas, a sua eficácia fica limitada pelo momento relativamente tardio em que foram adotadas. A epidemia pelo SARS-CoV-02 mostra que precisamos de mais saúde, de muito mais saúde nas políticas europeias. No nosso mundo globalizado e interdependente, serão cada vez mais frequentes as questões no domínio da saúde que não se podem confinar a uma resposta nacional.

Em simultâneo, esta epidemia mostra também que precisamos de mais solidariedade, de muito mais solidariedade nas políticas europeias. A UE está confrontada com a imensa responsabilidade de apoiar os diferentes países na resposta às devastadoras consequências económicas e sociais desta crise de saúde pública. Uma reação a esta situação será mais rápida e eficaz, se apoiada no mercado interno, no qual estão envolvidos todos os Estados-membros e, pelo menos até ao fim de 2020, o Reino Unido. Até porque a moeda única, na qual participam 19 países da União, incluindo Portugal, condiciona de forma assinalável as possibilidades de ação de cada país.

Não podemos deixar de acompanhar com preocupação o regresso dos egoísmos nacionais e a tentativa de impor, de forma mais ou menos encapotada, o dogma da austeridade de que fomos vítimas após a crise de 2009.

Está em causa um profundo abalo, de consequências assimétricas, na economia de todos os países europeus, que terá um enorme impacto na vida das pessoas. Ao mesmo tempo, vivemos uma crise humanitária, em relação aos que sofreram a infeção e morreram com ela, mas também em relação à previsível deterioração das condições de vida dos mais pobres, dos migrantes e de todos aqueles que se verão privados do posto de trabalho. Se, perante isto, a resposta da União se limitar à repetição de generalidades sem consequências para a vida dos cidadãos europeus, corremos o risco efetivo de perder o apoio da maioria deles para a causa de uma Europa livre e solidária.

Registe-se como muito positiva a disponibilidade do Banco Central Europeu para adquirir dívida dos Estados-membros, com juro favorável, contribuindo para tranquilizar e regular os mercados financeiros. Mas, precisamos de muito mais. Primeiro, a simplificação da utilização do atual quadro financeiro de apoio, de modo a que os Estados-membros possam usar mais rapidamente o dinheiro ainda disponível e alocá-lo a novos programas, tornados necessários nesta nova situação. Depois, a criação de um novo programa de apoio diretamente relacionado com a resposta a esta crise, usando recursos disponíveis noutros programas e “dinheiro novo”. Em terceiro lugar, a emissão de dívida cujo risco seja partilhado pelo conjunto da zona euro, permitindo que os juros se mantenham num patamar baixo, isto é, as famosas “coronabonds”. Finalmente, a aprovação rápida do novo Quadro Financeiro Plurianual 2021- 2027, com um Orçamento europeu reforçado, capaz de estimular o ressurgimento económico, com combate às desigualdades, fortalecimento do Estado social e respeito pelo ambiente.

Não há margem para continuar a hesitar ou para errar. É necessária uma liderança com visão estratégica e apegada aos valores em que se funda a União Europeia. Portugal tem dado o seu contributo. Temos, todos, que contribuir para o fortalecer. Esta será uma verdadeira prova de força do projeto europeu.

Artigo de Opinião publicado no jornal Público a 7 de abril de 2020

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