Descentralizar ou não: eis a questão!
Por António Alberto Castro Fernandes
Dirigente socialista
A descentralização é o tema do momento nas relações entre o poder central e o poder local. Já em anteriores ocasiões a descentralização esteve no cerne do debate público e institucional, mas até hoje os resultados alcançados não foram aqueles que pretendiam os seus defensores e por isso mesmo têm ocorrido sucessivos adiamentos.
Diz o artigo 267 da Constituição da República Portuguesa que “a administração pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva e que para esse efeito,” a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativa (…)”
A descentralização administrativa consiste na distribuição da função administrativa por diferentes pessoas coletivas do Estado, segundo critérios de competência territorial ou institucional. Esta processa-se através dos institutos públicos (a administração indireta do estado), enquanto a descentralização territorial se manifesta no poder local autárquico. No caso das autarquias locais, que é o que mais nos interessa (descentralização administrativa territorial), pode ainda falar-se da autonomia administrativa e do caráter eletivo dos seus órgãos, sem o qual não existe total independência perante o poder central.
O princípio da descentralização em matéria de poder local tem a ver com uma repartição justa de atribuições e competências entre o estado e as autarquias locais, implicando a transferência de atribuições do estado para as autarquias. Para que o processo de descentralização se efetive, tem de ser acompanhado dos meios e recursos financeiros que assegurem a sua concretização. E para que resulte, tem de garantir igualdade de oportunidades para todos os municípios e para todos cidadãos.
O governo, já em 2016, enviou a proposta orientadora para a descentralização de competências para a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP ), tendo sido criados grupos de trabalho para os seguintes temas: Educação; Trabalho; Solidariedade e Segurança Social; Ambiente e Mar; Saúde; Finanças e Assuntos Gerais.
Em Março de 2017, o governo enviou à Assembleia da República a proposta de lei nº 62/XIII que “estabelece o quadro de transferências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, concretizando os princípios da subsidiariedade, da descentralização administrativa e da autonomia do poder local”.
Releve-se o facto de que as competências não serão transferidas automaticamente. Terá de haver uma mediação através de decretos-lei de âmbito setorial relativos às várias áreas a descentralizar. Tal transferência terá de estar concluída até final de 2021, isto é, antes das próximas eleições autárquicas. Ao todo serão vinte e dois decretos, dos quais metade estarão já acordados.
Uma conclusão que se pode referir é que ao aumento das atribuições e competências dos municípios, deve corresponder um reforço da capacidade fiscalizadora do seu órgão deliberativo (assembleia municipal), sobre o órgão executivo (câmara municipal) e, aspeto muito importante, é a necessidade de revisão urgente do Regime Jurídico das Autarquias Locais reconhecendo autonomia financeira e administrativa às assembleias municipais.
Recentemente, e contra algumas expectativas, o Conselho Geral da Associação Nacional de Municípios Portugueses decidiu rejeitar, por unanimidade, a proposta governamental da nova Lei da Finanças Locais, peça legislativa fundamental sem a qual não ocorrerão novas transferências de competências. Isto obrigará a novas negociações entre a ANMP e o governo que, no limite, poderão inviabilizar todo o processo, já que existe o objetivo de ter tudo concluído até ao próximo verão, em virtude das próximas eleições legislativas, que podem ocorrer em meados de 2019.
Artigo publicado no jornal entreMARGENS