Especialistas questionam legalidade das construções na escarpa do Porto junto à Arrábida

Especialistas questionam legalidade das construções na escarpa do Porto junto à Arrábida

O engenheiro Manuel Matos Fernandes, que liderou o processo de classificação da Ponte da Arrábida como Monumento Nacional, disse ontem ter “a forte convicção” de que as obras que estão a nascer na escarpa junto ao Douro “são ilegais”.

“Antes de começar este debate, já tinha uma forte convicção de que as obras são ilegais. Acho que se exige uma atuação a nível político e judicial para reverter uma situação gravíssima”, disse o também professor catedrático na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, na abertura do debate promovido pela Federação Distrital do Porto do PS sobre o património e a Zona Especial de Proteção (ZEP) da Ponte da Arrábida.

Em causa está uma obra que decorre perto da Arrábida, Monumento Nacional desde junho de 2013, que está sem a ZEP prevista na lei para condicionar intervenções urbanísticas, vigorando uma zona geral de proteção “automática” de 50 metros.

Em 2012, a ZEP de cerca de 200 metros foi aprovada pelo Conselho Nacional de Cultura e proposta ao Governo pelo diretor-geral do Património Cultural, Elísio Summavielle, numa decisão publicada no Diário da República de 13 de setembro daquele ano, mas até ao presente continua a vigorar a zona geral de proteção “automática” de 50 metros.

No debate promovido pelos socialistas do Porto, Manuel Matos Fernandes disse ter visto “com desgosto” ser fixada a zona de proteção de 50 metros: “Foi com grande desilusão que recebemos o Diário da República e não era vincada a ZEP [de 200 metros]”, disse o engenheiro.

Para Matos Fernandes é “extraordinariamente estranho que tenham passado cinco anos e a ZEP não tenha sido concluída”, tendo o engenheiro recordado perante uma audiência com juristas, especialistas, políticos e pessoas ligadas à área ambiental e do urbanismo, que “um ano antes [referindo-se a 2012] este assunto tinha sido refletido e aprovado pelas entidades ligadas à cultura”.

“Não quer dizer que seja errado construir nas proximidades da ponte. O grave é que as entidades que o Estado democrático tem estejam arredadas da decisão, sendo que temos ali um monumento classificado”, disse o catedrático apelando a um entendimento e reflexão em volta deste tema.

“O que é fundamental é que cuidemos do extraordinário património que temos no estuário do Douro. Temos um tesouro que não podemos delapidar e os Municípios ribeirinhos e o Estado central têm de se coordenar”, acrescentou.

No debate, foram várias as intervenções do público com questões à volta da legalidade das construções na escarpa.

O geógrafo, investigador e professor universitário, Rio Fernandes, considerou que “devia fazer-se uma investigação”: “Os vereadores devem agir porque o licenciamento é ilegal”, afirmou.

Rio Fernandes recordou que não existe parecer da Administração dos Portos do Douro e Leixões (APDL) e que o parecer da Direção Regional de Cultura é desfavorável.

Também o geógrafo Álvaro Domingues, que fez parte do painel do debate, manifestou dúvidas sobre o processo, tendo sintetizado a sua intervenção: “Já foram feitas várias faltas de respeito com esta ponte”.

Correia Fernandes defende “moratória” nos projetos que estão a crescer na escarpa

O arquiteto e ex-vereador socialista Manuel Correia Fernandes defendeu que, “por questões de precaução, seja feita uma moratória” nos projetos que estão a crescer na escarpa junto à Ponte da Arrábida.

Manuel Correia Fernandes disse que “face à polémica à volta dos projetos e ao facto de ter sido já divulgado que o Ministério Público está a investigar”, as obras poderiam ser alvo de uma “moratória”, o que na prática, explicou, constituiria “no mínimo um abrandamento”.

“Acho que face à polémica instalada, seria importante criar um espaço de descompressão para diminuir dúvidas”, disse Manuel Correia Fernandes, afirmando que os licenciamentos para as obras podem ser legais.

Este é um tema que tem levantado muita polémica, tendo Correia Fernandes esclarecido recentemente que a obra “decorre de um projeto de arquitetura aprovado em 2017 por Rui Loza”.

 

Manuel Pizarro diz que “há um mistério nas encostas da Arrábida”

O vereador socialista da oposição a Rui Moreira, Manuel Pizarro, e presidente da entidade que promoveu o debate, considerou que “há um mistério nas encostas da Arrábida”.

“Há qualquer coisa de anormal em não ter sido feita ao mesmo tempo [da classificação como Monumento Nacional] a definição de ZEP. A verdade é que, de então para cá, quer do lado do Ministério da Cultura, quer do lado da Câmara do Porto, parece que não há pressa em definir essa zona e em debater com transparência que medidas urbanísticas devem ser adotadas para proteger esta peça do património portuense e português”, disse o socialista.

Manuel Pizarro apontou que “parece que se está à espera de factos consumados para só depois se intervir”: “Essa não é a forma adequada de proceder. Tem de haver debate público, transparente e rigoroso”, disse.

O líder da Federação Distrital do Porto do PS admitiu que “já não seja possível, do ponto de vista legal, suspender alguns dos projetos que já foram licenciados”, mas disse estranhar “uma pressa excessiva em permitir e facilitar construções” no local.

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