As montras da crise
Fotografia de Olga Santos
Texto de Filinto Melo
A cidade é uma realidade complexa, movediça, dicotómica e, até, contraditória. Quando na Porto 2001 começaram a ser lançadas as bases para o que é o hoje a movida da cidade, muitos comércios fecharam, muitas ruas foram deixadas ao abandono, muitas casas foram entaipadas. Hoje, em plena movida, em que a Baixa vive de alegrias e de turistas, de champanheries e bomboneries, e conceitos concept e glocal stores, há os que ficam para trás. Que ficam lá onde estão os deserdados de 2001, numa cidade fechada que o portuense ávido de modernidade e de futuro não vê. Lá, entre os escombros de vidas que não foram, dos produtos que não se venderam, das histórias que não se escreveram. Passam despercebidos como os pedintes famintos mas não estropiados à porta dos Congregados. E é isso que a lente da Olga Santos nos mostra. A cidade que está para lá da Ryanair e da Casa da Música, da Torre dos Clérigos e da Livraria Lello, dos hostels e dos low costs. Que está lá, apesar dos conceitos inovadores, dos produtos portugueses, dos restaurantes Michelin, do Badalhoca chique, das refeições líquidas.
Mas há algo nas fotografias. Mais do que se vê para lá do céu do Porto, da luminosidade que vem com o frio do rio, há uma luz que – como as setas – aponta em várias direções. Aponta para os holofotes fundidos que recordam passados, como o daquele ministro (uma promessa de farol) que levou o barco (o país) ao fundo. Uma nau perdida em diferentes camadas de papéis, sobrepostas, e de sentidos. Há algo maior do que os pormenores: a luta que continuou, a arquitetura que perdura, os mercedes e as caras caídas, as janelas partidas a contrariar a tese da broken window, a arte da rua, as esplanadas vazias, os computadores desatualizados, os tijolos entaipando uma entrada de loja sem saída. E há os anjos, resistindo aos ministros, às teses e às tempestades, olhando para a cidade como que à procura de uma luz. Porque “sucede isto no Porto, / uma cidade onde os destinos pesam muito/ e as quimeras de bronze só mitigam/ a sede secular de eternas pombas”, como escreveu António Rebordão Navarro.
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Olga Santos, começou cedo a sua relação com a fotografia, quando, ainda adolescente, os seus pais lhe compraram uma máquina Canon. Passou a olhar o mundo através de uma lente e a congelar na memória imagens fugidias.
Mais tarde, depois de três anos no curso de jornalismo e três meses a escrever no jornal “O Primeiro de Janeiro” recebeu um convite para transitar para o lado dos “bate chapas”.
Durante doze anos trabalhou como fotojornalista em vários jornais.
Hoje, arredada da fotografia profissional, continua com o vício do disparo. O mundo passa por ela, permanece, vai-a mudando. Com a fotografia, sem expectativas, tenta mudá-lo um pouco.