As mulheres na Revolução de Abril

Por Teresa Fernandes

Presidente do Departamento Federativo das Mulheres Socialistas do Porto

 

Poderá parecer curioso uma mulher com 38 anos falar das conquistas de Abril. Poderão pensar que sou uma privilegiada por sempre ter vivido em liberdade, mas eu arriscaria a dizer que só teria sido vantajoso, para mim e para muitos, ter vivido antes do 25 de Abril de 1974, para dar mais valor à liberdade, que hoje parece banal.

Ao contrário do que se possa pensar, até porque sempre se deu muito ênfase aos homens de Abril, certo é que a revolução dos cravos, que tornou Portugal livre, se deve muito às mulheres que lutaram na linha da frente ou na retaguarda familiar no apoio em casa aos maridos e à família.

Muitas das mulheres dos homens de Abril pouco sabiam, mas pressentiam que a revolução se aproximava e tinham esperança num futuro próximo livre e democrático.

A revolução de Abril representou, para as mulheres, mais do que a conquista da liberdade, representou a conquista de muitos direitos até aí vedados por 48 anos de regime fascista.

Em 1872, Ramalho Ortigão, um influente intelectual, escrevia acerca da condição da mulher na sociedade portuguesa:

Ela é na casa um ente subalterno e passivo, que se manda, que se força, que se espanca se desobedece (…). Ninguém a instrui, ninguém procura tornar-lhe a existência doce e risonha, dar-lhe o nobre orgulho de ser amada, querida, necessária no mundo para mais alguma coisa do que lavar a casa, coser a roupa e fazer a comida.

Era esta a triste imagem da mulher portuguesa que se tornou particularmente evidente no estado novo. Neste contexto restritivo das liberdades femininas, muito poucas se atreveram a enfrentar o regime.

  • A lei portuguesa designava o marido como chefe de família, donde resultava uma série de incapacidades para a mulher que tinha apenas a gestão da vida doméstica como obrigação e, na educação dos filhos, apenas deveria ser “ouvida”.
  • As mulheres não podiam casar com quem queriam, as mulheres casadas não podiam mexer na sua propriedade, as enfermeiras não podiam casar, as professores não podiam casar com qualquer pessoa  e o futuro marido tinha de ter um vencimento superior ao dela e tinha de ser publicado em Diário da República a autorização para casar.
  • A mulher não tinha direito a voto;
  • A mulher não tinha possibilidade de aceder a cargos políticos;
  • A mulher não tinha direitos na educação dos filhos;
  • A mulher não podia pedir o divórcio;
  • A mulher casada não podia ir para o estrangeiro sem autorização do marido;
  • A mulher não podia trabalhar sem autorização do marido;
  • No trabalho a mulher deparava-se com grandes dificuldades, estando vedado o acesso a determinados cargos, como a magistratura, diplomacia e política.

A mulher portuguesa vivia totalmente dependente do homem, marido ou pai. Como é difícil imaginar esta realidade! Em 1966 o novo código civil traz algumas melhorias. A mulher passa a poder exercer uma profissão liberal sem autorização do marido e passa a dispor do seu salário, o que é um passo de extrema importância na sua autonomia, mas o marido podia denunciar o contrato de trabalho da mulher.

A mulher adquire também a igualdade política, podendo votar desde que soubesse ler e escrever, mas não podia votar nas eleições municipais.

Com a revolução de abril, conquistou-se a liberdade de pensamento, de expressão, de imprensa, e foram finalmente reconhecidos direitos e deveres iguais para homens e mulheres que se converteram em grandes mudanças:

  • Durante o ano de 1974 foram publicados diplomas que determinam o acesso das mulheres a todos os cargos da carreira administrativa local, à carreira diplomática e à magistratura;
  • A partir de 1975 a mulher possui o direito de voto sem qualquer restrição; – direito à palavra;
  • Em 1976, é abolido o direito do marido abrir a correspondência da mulher;
  • A nova constituição garante a igualdade de oportunidades de tratamento no trabalho, no emprego, e afirma que na família o homem e a mulher têm os mesmos direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e no respeitante à educação dos filhos;
  • É reconhecido o valor social da maternidade, assegurando-se o direito, antes e depois do parto, a uma licença sem perda de remuneração ou de outras vantagens;
  • A partir de 1978, foi introduzido o direito ao divórcio e igualdade de direitos na família e no casamento e a dependência da mulher em relação ao marido é suprimida;
  • Em 1984 a Assembleia da República a aprova uma lei sobre educação sexual e planeamento familiar, e outra relativa à exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez;
  • Em 1997 foi desenvolvido o Plano Global para a Igualdade de Oportunidades de Homens e Mulheres, sendo também alargados os prazos em que o aborto é legal;
  • Em 2006 é aprovada a lei da paridade;
  • Em 2007 é aprovada a lei da interrupção voluntária da gravidez.

Caminho longo para eliminar injustiças, quase sempre liderado pelo Partido Socialista.

Caminho ainda muito longo a percorrer com passos firmes, audazes e progressistas!

Conquistada a liberdade e iniciada a vida democrática, o estatuto das mulheres portuguesas foi melhorando mediante as imposições consagradas na Constituição da República Portuguesa. Mas não basta estar contemplado na lei para que, na prática, eles sejam efetivados. Há que mudar mentalidades e esbater um passado discriminatório para a mulher. A sociedade deve ter as mulheres e os homens de mãos dadas, juntos pelo futuro e pela construção de uma sociedade justa, evoluída e moderna. Porque a liberdade conquistada no dia 25 de Abril de 1974 é preciosa, não esqueçamos que também nos imputou grandes responsabilidades.

Honrar Abril é ter memória, é honrar quem pela nossa liberdade lutou e perdeu a vida.

Honrar Abril é incluir, é não descriminar, é aceitar diferenças, é saber ouvir, é ser solidário, é viver e respeitar!

Abril é Esperança, Respeito, Justiça, Igualdade e Liberdade!

Obrigada Mulheres e Homens de Abril!

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