Socialistas, porquê?

Socialistas, porquê?

Tiago Barbosa Ribeiro

Deputado do PS, Coordenador da área do Trabalho e Segurança Social

 

  1. O Congresso Nacional do PS ocorre num contexto de centralidade política na governação. O PS exerce-a partir de um consenso que, barrando o choque social da direita, recalibrou os custos (sociais, laborais, fiscais) que entre 2011 e 2015 incidiram sobre a maioria do país. Foi uma opção com resultados palpáveis: normalização das relações sociais, reafectação de direitos, reposição de rendimentos, revalorização do Estado. Parece evidente que este rumo reforçou a base social do PS e nos afastou da corrosão de que enferma a família socialista europeia. Mas poderia não ter sido assim. E se em 2015 isso não era (tão) evidente, as razões do sucesso são hoje claras e indissociáveis do momento em que o PS recusou acantonar-se como parceiro menor de liberais e conservadores, respondendo a esta questão: socialistas, porquê?

 

  1. Os partidos socialistas e social-democratas são tributários dos processos de industrialização, urbanização e proletarização que, no século XIX, levaram à «Primavera dos Povos» e às convulsões que detonaram as velhas ordens na Europa a partir das sementes libertadoras da Revolução Francesa (e, em menor escala, da Revolução Americana). Distanciando-se dos modelos de superação revolucionária do capitalismo, mas tendo a sua génese nas correntes reformistas de inspiração marxista, os socialistas ergueram-se em aliança com uma parte do movimento operário para corrigir as desigualdades de uma economia sem freio. Estiveram na génese dos primeiros modelos de Estado-Providência e na sua difusão no Pós-Guerra, hegemonizando-se nos «Trinta Gloriosos» até à década de 1970.

 

  1. Entre 1980 e 1990, este processo foi invertido. Várias razões o justificam: o informacionalismo (Castells), a globalização, a financeirização, a desmaterialização produtiva, entre outras, contribuíram para disrupções na escala do Estado-Nação. Mas elas resultaram de opções na gestão das mudanças e essas foram formatadas pela revolução conservadora de Thatcher e Reagan. A sua maior vitória foi fazer com que os socialistas respondessem às dinâmicas em curso, aceleradas pela queda do bloco de leste, dentro das fronteiras ideológicas que os liberais redefiniram, procurando a síntese a Terceira Via, o «fim da história» e o liberalismo social. A responsabilidade da sua rarefacção como projecto de poder esteve na forma como tantas vezes exerceram o poder: flexibilizando, deresgulando, privatizando e recuando nas funções sociais do Estado.

 

  1. Os resultados desta clivagem entre governação e base de apoio não se fizeram esperar. Como o papel de um partido é instrumental para corresponder às expectativas dos cidadãos, muitos partidos socialistas colapsaram na autossuficiência e na degenerescência ideológica, falhando na resposta à maioria social que, em cada momento, lhes confiou o seu voto: Reino Unido, Alemanha, Grécia, Espanha, França, Holanda, Itália. Mesmo quando há uma perda relativa dos partidos do PPE, são os extremos populistas que capitalizam o voto de um eleitorado acossado por riscos sociais e imprevisibilidade que antes votava nos socialistas, os excluídos da globalização. Porque sem força transformadora não há força eleitoral.

 

  1. É neste contexto que a experiência do PS em Portugal deve ser entendida. Ela corresponde a um modelo admirado pela nossa família política e invejada por uma esquerda que tacteia novos rumos. Mais: consegue um importante equilíbrio no diálogo com outras forças, desbloqueando alianças que estavam limitadas por anacronismos históricos. Conseguimos acabar com barricadas imaginárias, tirando o PREC do divã.

 

  1. E agora? Agora importa reafirmar que não existe nenhum problema identitário no PS nem as catalogações de radicalismo/moderação têm validade analítica. Somos o que sempre fomos, atentos à evolução do mundo, orientados por uma visão progressista que quer mais justiça na economia, valorizar o Estado sem tentações maximalistas, enquadrar funções sociais que respondam a velhos e novos problemas, indagar novos modos de trabalho, regular, assegurar domínio de sectores estratégicos, potenciar a criação e a redistribuição do produto, corrigir e libertar. Que, em suma, quer emancipar, impedindo que distinções de meio e origem façam a diferença na vida de cada um. Somos isso: socialistas.

 

  1. Ao longo desta legislatura, o PS fez escolhas e elas tiveram aliados preferenciais. Essas opções não foram conjunturais porque não é conjuntural aquilo que nos separa daqueles que nos combatem não em torno do gradualismo das opções seguidas, mas sim da sua natureza. Não quer isto dizer que o PS esteja impedido de fazer entendimentos com a direita em áreas onde as posições sejam concordantes. Mas os acordos e as reformas não se fazem em abstracto, fazem-se – como na descentralização, e bem – em torno de opções concretas. E há opções do PS que entram em contradição com aquilo que a direita legitimamente defende. Por isso o PS não pode ser forçado a governar contra o seu ideário, como aconteceu com partidos congéneres, afunilando o seu peso social.

 

  1. O PS não deve forçar clivagens inexistentes, mas também não deve afastar artificialmente parceiros com quem é possível traduzir opções independentemente da amplitude dos resultados eleitorais de cada partido. Nada acrescentamos a um centro fatigado que acabará por amputar o nosso espaço político. E muito menos a uma direita que diverge de nós no Trabalho, na Segurança Social, na Saúde, na Educação, na justiça redistributiva. A questão de hoje tem a resposta de sempre, mas é enriquecida no quadro de uma maioria plural que agora sabemos ser capazes de liderar: socialistas, porquê? Para responder à maioria que deposita em nós a esperança de um país mais justo, mais desenvolvido e sobretudo mais digno.

 

Artigo publicado no jornal i | maio, 2018

 

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